NOTAS

Chuva simulada: avaliação de perdas de solo e água em um cambissolo húmico

 

Simulated rainfall: evaluation of soil and water losses in a inceptisoil

 

Marco Segalla Prazeres1; Gustavo Ferreira De Oliveira1; Ana Larissa Pinto Da Silva1; Diego Fernando Roters1*; Venesa Pinto Dos Santos2; Ildegardis Bertol1

1 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Brasil
* Autor de contacto: diegoroters@gmail.com

Recibido: 25/09/2019
Recibido con revisiones: 02/03/2020
Aceptado: 02/03/2020

 


RESUMO
Este trabalho avaliou as perdas de solo (PS) e água (PA) e o tempo de início de escoamento superficial em um Cambissolo Húmico submetido a dois tratamentos contrastantes, sob chuva simulada. Um solo sem cobertura (SC) e outro com semeadura direta (SD). A SD reduziu em 99% as PS em relação a SC. As PA acompanharam a tendência das PS, mas sofreu menos influencia do manejo. Foi registrado o início do escoamento superficial de acordo com início da chuva. O solo cultivado na forma de SD diminuiu as PS e influenciou o tempo de início do escoamento superficial.

Palavras chave: Preparo conservacionista, semeadura direta, controle da erosão.

ABSTRACT
This work evaluated the losses of soil (PS) and water (PA), and the time of beginning of runoff in a Inceptisoil submitted to two contrasting treatments, under simulated rainfall. One soil without cover (SC) and another with no-till (SD). SD reduced PS by 99% compared to SC. The PA followed the trend of SC, but suffered less influence from management. The onset of runoff was recorded witht he onset of rain. The soil cultivated in the form of SD decreased the PS and influenced the time of onset of the runoff.

Key words: Conservation method, No-till, erosion control.


 

INTRODUÇÃO

A erosão hídrica é a principal causa de degradação e empobrecimento do solo em áreas de cultivo agrícola no Brasil, caracterizada pela desagregação, transporte e deposição de partículas de solo, nutrientes e matéria orgânica, cuja intensidade é variável dependente dos fatores clima, solo, relevo, cobertura e manejo e práticas conservacionistas (Wischmeier & Smith, 1978).

Sistemas de manejo com pouca mobilização do solo e que preservam a cobertura vegetal promovem a conservação do solo e da água, por isso, são fundamentais para melhorar a eficiência da produção agropecuária e sustentar a capacidade produtiva das terras agrícolas, além de preservar o meio ambiente (Brown et al., 2018).

O dimensionamento da erosão hídrica decorrente de chuva simulada permite avaliar as perdas de solo e água no momento de ocorrência das chuvas (Volk & Cogo, 2014), admitindo que sejam feitas recomendações de manejo mais eficaz para redução da erosão hídrica.

O objetivo do trabalho foi avaliar as perdas de solo (PS) e água (PA) e o tempo de início de escoamento superficial (TI) em um Cambissolo Húmico submetido a dois tratamentos contrastantes, sob chuva simulada.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado com fins didáticos em novembro de 2017 na área experimental localizada a 27o 46› 57» S e 50o 18› 20» W de Greenwich, na região do planalto sul catarinense, município de Lages, com altitude média de 900 m e relevo suave ondulado. O solo da área experimental é um Cambissolo Húmico alumínico léptico (Barbosa et al., 2009). O clima da região é classificado segundo Köeppen como Cfb - subtropical úmido (Pandolfo et al., 2002).

As parcelas experimentais possuíam área de 38,5 m², cada uma, e eram delimitadas por chapas galvanizadas (0,2 m de altura). A extremidade inferior da parcela possuía uma calha coletora de enxurrada conectada a um tubo de PVC, que conduzia a enxurrada até uma trincheira localizada 6 m abaixo da parcela, onde a enxurrada foi coletada.

Os tratamentos (sem repetição por tratamento) consistiram em semeadura direta (SD) cultivado com consórcio de aveia, ervilhaca e nabo forrageiro em fase de pleno florescimento e solo sem cultivo e descoberto (SC). Esses dois tratamentos vinham sendo conduzidos há oito anos, com os respectivos tratamentos. As chuvas simuladas foram realizadas com auxílio de simulador de chuva tipo empuxo, com braços rotativos, encobrindo simultaneamente as duas parcelas (Bertol et al., 2012). A intensidade aplicada foi de 89,80 mm h-1, simultaneamente em cada parcela.

Nas profundidades de 0-0,1 e 0,1-0,2 m, em um único ponto, nas duas parcelas foram coletadas imediatamente antes do início da única chuva simulada, para determinar a umidade do solo.

Foi registrado o tempo de início do escoamento superficial para cada tratamento, utilizando-se proveta de 1 L para coleta de amostras da enxurrada. Nessas amostras, avaliou-se a taxa instantânea de escoamento superficial, com a qual foram calculadas as PS e PA. A taxa instantânea de escoamento e a concentração instantânea de sedimentos na enxurrada para cada minuto de escoamento foi calculada por meio da interpolação linear dos dados coletados em campo. As perdas totais de água pela enxurrada foram calculadas, integrando-se as taxas instantâneas de enxurrada. Foi medida também a intensidade da chuva aplicada e a velocidade da enxurrada com 20 pluviômetros dispostos sobre as parcelas, sob a área coberta pela chuva, e com isso, realizado o cálculo da intensidade da chuva.

Foi elaborado hidrogramas para avaliar o volume de água em detenção superficial (V1) e o fim do escoamento (V2). Os dados de perda de solo foram ajustados para a declividade do terreno nas parcelas (0,123 m m-1) por meio do fator S da USLE (Wischmeier & Smith, 1978). Foi aplicado teste F para comparação entre tratamentos, porém não apresentaram diferenças estatísticas.

RESULTADOS

As PS foram influenciadas pelo sistema de manejo, mesmo sem diferença significativa apresentou diferença numérica, de modo que o tratamento SD reduziu em 99% em relação a SC (Tabela 1).

Tabela 1. Umidade do solo, tempo de início da enxurrada e perdas de solo e água, em um Cambissolo Húmico alumínico léptico, referentes a uma chuva simulada.
Table 1. Soil moisture, runoff onset time and soil and water losses in a leptic aluminum Inceptisoil for simulated rain


*Teste F a 5% de significância; NS: Não Significativo

Em relação ao tempo de início do escoamento superficial, em SC a enxurrada iniciou aos 5 minutos, enquanto em SD iniciou aos 30 minutos (Figura 1). Em SD o escoamento total foi de 24% em relação ao volume de chuva.

Na parcela com cobertura, o escoamento total foi de 24% em relação ao volume de chuva (com vazão máxima equivalente a 76% em relação á taxa de chuva), enquanto, na parcela descoberta o escoamento total foi de 55% e a vazão máxima de 94%. Isto evidenciou maior susceptibilidade do solo descoberto à ação da chuva simulada.

Em relação ao hidrograma (Figura 1), o volume de água em detenção superficial (V1) foi maior do que o mesmo volume (V2) (Figura 1). Desse modo, acumulou maior volume de água do início da chuva até o pico da enxurrada (V1) do que escoou entre o final (Tf) da chuva e o fim do escoamento (V2). Ainda, ambos V1 e V2 foram maiores na SD do que no SC, em decorrência da existência de cultivo e cobertura do solo em SD. Após o encerramento de ensaio de chuva simulada, SD apresentou maior tempo de escoamento, decorrente da água armazenada na forma de detenção superficial (V1), em comparação a parcela SC (Figura 1). Isto é explicado pela existência de cultivo e de cobertura do solo em SD, resultando maior tempo para cessar o escoamento.


Figura 1. Hidrograma de SD e SC com uma intensidade de 89,80 mm/h.
Figure 1. Hydrograph of SD and SC with an intensity of 89,80 mm/h.

O tempo de início (TI) do escoamento superficial variou nos tratamentos apresentados (Figura 1. Em SD, TI demandou 30 min para iniciar a enxurrada, seis vezes mais do que SC que foi de 5 min. A umidade do solo não influenciou o retardamento do tempo para início da enxurrada (TI). Devido os diferentes preparos houve diferença na umidade. Essa chuva foi realizada após um período em que a umidade gravimétrica do solo era 31% e 39%, respectivamente, para SC e SD.

Foi observado, para infiltração de água no solo, que no SD o tempo de equilíbrio (Te) não foi atingido durante o tempo de duração dessa chuva simulada. Para encontrar o tempo de equilíbrio nessa parcela, com cobertura, seria necessário a continuidade da chuva simulada. Já na parcela SC, o tempo de equilíbrio foi encontrado, tendo sido de 40 minutos, com o tempo de ocorrência da chuva simulada. É possível observar na Figura 1, que a infiltração de água no solo do tratamento da parcela coberta foi superior à da parcela descoberta.

DISCUSSÃO

O poder erosivo da chuva e enxurrada associada se expressou com mais intensidade na parcela SC devido à falta de cobertura do solo, pelo fato de estar sem cultivo. A ausência de proteção do solo, devido à falta de cultivo, permitiu que o poder erosivo da chuva e enxurrada exercesse sua capacidade de causar erosão (Bagio et al., 2017).

O solo cultivado em sistema de SD diminui a velocidade de enxurrada e, com isso, diminuiu as perdas de solo e água, conforme Marioti et al. (2013), já que este é um sistema eficiente quanto a conservação do solo e da água (Santos et al., 2019). Além do mais, a cobertura do solo por resíduos culturais resulta em alguma rugosidade superficial, protege a superfície do solo contra a ação de impacto direto das gotas da chuva e diminui a capacidade de transporte de sedimentos pela enxurrada (Panachuki et al., 2010).

Dessa forma, ocorre um aumento na retenção superficial e na infiltração de água no solo, diminuindo o escoamento e aumentando a deposição dos sedimentos erodidos. As plantas atuam na agregação do solo e abertura de poros através das raízes, além de aumentar o teor de matéria orgânica e a estabilidade de agregados, o que aumenta a infiltração de água no solo (Wischmeier & Smith, 1978).

A magnitude das perdas de água nos tratamentos SC e SD (Tabela 1) sofreram menor influência do manejo do solo, quando comparadas as perdas de solo. A infiltração de água no solo é limitada à capacidade do solo, a partir da qual torna-se independente do manejo e haverá escoamento, fazendo com que as diferenças nas perdas de água também diminuam entre tratamentos de manejo (Cogo et al., 2003). Apesar disso, o tratamento SC apresentou perda de água 2,27 vezes maior do que a perda de água obtida na SD. Em SC, o impacto das gotas de chuva atua na superfície, desagrega o solo, facilita a formação de selamento superficial durante a chuva que progride para uma crosta, causando maior perda de água por evaporação (Duley, 1939). Isto faz diminuir a infiltração e, consequentemente, aumentar as perdas de água. Pesquisas confirmam a ocorrência do selamento e encrostamento da superfície do solo pela ação da chuva e/ou enxurrada, em diversas condições de manejo, especialmente em solo descoberto (Dalla Rosa et al., 2013).

A capacidade de infiltração só é atingida durante uma chuva, se houver excesso de precipitação, a taxa de infiltração reduz substancialmente até um valor praticamente constante, fato este relacionado ao tipo de solo. No Cambissolo Húmico da presente pesquisa que apresenta baixa permeabilidade devido ao seu material constituinte e forma dos seus agregados, com baixa profundidade efetiva, normalmente as perdas de água e solo são altas comparadas a outros tipos de solo mais profundos e com outra constituição mineralógica.

CONCLUSÕES

O solo cultivado na forma de semeadura direta diminui as perdas de solo e influencia o tempo de início do escoamento superficial em relação ao solo sem cultivo e descoberto. As perdas de água acompanham a tendência comportamental das perdas de solo nos respectivos tratamentos estudados, mas com menor diferença do que as perdas de solo comparando os dois tratamentos estudados.

BIBLIOGRAFIA

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